quarta-feira, 30 de abril de 2008

ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

AÇÕES DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA VOLTADAS AO PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
Pedro Manuel Leal Germano & Maria Izabel Simões Germano
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
hivisa@uol.com.br

O Brasil é o país da América Latina com a maior e a mais diversificada experiência em programas de alimentação e nutrição em escolas, os quais foram criados a partir de 1930, com o objetivo de oferecer refeições a todos os alunos que freqüentassem o ensino fundamental em estabelecimentos públicos. Em 1988, a alimentação escolar consagrou-se como um direito constitucional, sendo dever do Estado garantir, no mínimo, 15% das necessidades nutricionais diárias do escolar (Silva e cols, 2003).
Educação e saúde constituem dois direitos inalienáveis de todo ser humano, e, quando se fala a respeito deste assunto, em relação ao ambiente escolar, a ênfase deve ser, ainda, maior na medida em que as crianças são parte do grupo populacional mais suscetível às doenças transmitidas por alimentos (DTAs).
Ao se falar de segurança alimentar, num sentido ampliado, como elemento de combate à fome, a merenda escolar assume um papel relevante, na medida em que garante parte dos nutrientes que as crianças devem ingerir numa dieta equilibrada e saudável. Por outro lado, de nada adianta oferecer alimento se este constituir fonte de doença. Sabe-se que, para muitas crianças, a merenda oferecida pela escola constitui a única refeição do dia.
Constitui papel do Estado emitir leis, fiscalizar seu cumprimento e educar os cidadãos; às organizações cabe a responsabilidade de instituir programas e implantar sistemas que atendam à legislação e propiciem a melhoria da qualidade, com ênfase na capacitação de seus recursos humanos, visando à promoção da saúde dos consumidores de alimentos (Germano, 2003) aí compreendida a população em idade escolar.
De acordo com a Food and Agricultural Organization – FAO, a higiene dos produtos alimentícios é alcançada a partir de um conjunto de medidas capazes de garantir a inocuidade dos alimentos desde sua produção até o consumo final (Germano e Germano, 2003). Os programas de alimentação escolar oferecem riscos à inocuidade dos alimentos, sobretudo devido à possibilidade de contaminação e desenvolvimento bacterianos, em especial no processo de distribuição, quando há necessidade de manipulação adicional de produtos previamente preparados. Além disso, na merenda escolar, devido ao grande número de refeições, faz-se necessário que as mesmas sejam preparadas com antecedência, possibilitando um maior período de exposição a eventuais contaminantes (Richards e cols, 1993).
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), os perigos biológicos, de origem bacteriana, ocupam lugar de destaque nas estatísticas de saúde, como sendo os causadores mais freqüentes de DTAs, nos mais distintos grupos sociais do planeta, não poupando pobres nem ricos, seja de países industrializados ou em vias de desenvolvimento (Germano e Germano, 2003).
Dados do Sistema de Informação Regional para a Vigilância Epidemiológica das DTAs, publicado pelo INPPAZ/OPS/OMS (2007), com dados obtidos nos boletins informativos do Ministério da Saúde do Brasil, revelam que, no período de 1999 a 2002, foram registrados 33 surtos em unidades escolares, totalizando 1.371 doentes, sendo 984 (71,8%) casos provocados por agentes bacterianos. Em relação aos acometidos, com diagnóstico identificado do agente bacteriano, constataram-se 201 casos (20,4%) provocados por Staphylococcus aureus, sendo 173 (17,6%) por salpicão e 28 (2,8%) por frango, o que aponta na direção de contaminação cruzada, por práticas de fabricação inadequadas, sobretudo falhas de manipulação, do mesmo modo que a contaminação do chocolate, servido a 11 (1,1%) dos acometidos e responsável por surto de colibacilose. Maionese, prato misto e bolo deram origem a 209 casos (21,2%) de salmonelose, tudo indicando que não foram respeitadas as boas práticas de fabricação (BPF) e que a condição higiênico-sanitária dos manipuladores era precária. Mas, o mais chocante é que um surto, em um município do Rio Grande do Sul, causou 594 casos (60,4%) de shigelose, sendo o sanduíche servido na merenda identificado como responsável pela DTA. Vale destacar que, a transmissão da Shigella sonnei ocorre, primariamente, pessoa a pessoa, pela via oral-fecal, através da contaminação da água e dos alimentos, sendo que os maiores responsáveis pela disseminação do agente na natureza são os doentes na fase aguda da infecção e os portadores com sintomas clínicos atípicos, que eliminam a bactéria nas fezes. Portanto, neste episódio, possivelmente, um único manipulador bastou para provocar o surto, devido à falta de higiene.
Na avaliação do tipo de refeições servidas como merenda, nas unidades escolares, ocorreram 165 casos (16,8%) em que o agente etiológico não foi identificado, contudo as preparações à base de frango fizeram parte do cardápio de 98 acometidos, ou seja, 59,4% dos afetados, o que constitui forte indício que o patógeno causal, mais provável, tenha sido a Salmonella spp, não se podendo afastar a hipótese de Bacillus cereus, pois uma das preparações era arroz de frango; ou, até mesmo, Campylobacter spp. Por outro lado, a carne bovina, servida a 37 doentes (22,4%) poderia estar associada ao Clostridium perfringens ou à Listeria spp. Bolo e biscoitos, considerados em um total de 21 ocorrências (12,7%), poderiam ter sido contaminados quando da distribuição por contaminação cruzada, quando da distribuição, originada das mãos dos manipuladores, dos utensílios ou das superfícies não higienizados. As frutas, envolvidas em um surto com 9 acometidos (5,4%), não deviam ter sido lavadas adequadamente; ou foram fatiadas e servidas sem higiene; ou poderiam conter resíduos de substâncias químicas, como agrotóxicos.
Assim, com base em estatísticas fornecidas pelo INPPAZ, complementadas por informações mais recentes de outros órgãos de saúde estaduais e municipais, depreende-se que, além da Salmonella spp e do Clostridium perfringens, comumente contaminantes das matérias-primas de origem animal, as demais bactérias sinalizam para problemas oriundos na falta de BPF, onde a manipulação inadequada constitui o principal suspeito. Vale destacar que, nos quadros agudos de DTAs, se estima a subnotificação em 90,0% das ocorrências; e, para as eventuais seqüelas, a informação é praticamente nula, pois a manifestação dos quadros clínicos, relacionados à infecção pregressa, dá-se após superados os sintomas e a aparente recuperação do infectado.
Nas unidades escolares, os manipuladores são responsáveis por importantes etapas, passíveis de constituírem perigo para os comensais: recebimento das matérias-primas; reconstituição dos alimentos secos; preparação das refeições ou montagem dos pratos, controle do binômio tempo-temperatura de descongelamento, cocção e/ou reaquecimento, armazenamento de sobras, distribuição das refeições aos escolares nos horários de rotina do estabelecimento (Germano e Germano 2003). Compete a eles, ainda, a higienização das dependências, dos equipamentos e dos utensílios destinados ao serviço de merenda e a organização dos espaços destinados ao armazenamento de alimentos e de produtos utilizados para higiene e desinfecção (Oliveira e cols 2003; Germano 2003).
Desta forma, muitas DTAs podem ser evitadas se o manipulador de alimentos adotar princípios básicos de higiene, tais como, a lavagem correta das mãos: ao chegar ao trabalho, ao iniciar uma tarefa na cozinha, a cada troca de tarefa, sempre que manusear dinheiro, tossir, espirrar, fumar, levar as mãos à boca ou outra parte do corpo, toda vez que utilizar o sanitário ou mexer no lixo, e sempre que se fizer necessário. A técnica correta, assim como, os produtos adequados para a lavagem das mãos devem estar disponíveis para que os manipuladores possam trabalhar em conformidade com os princípios higiênicos (Germano, 2007).
Diante desta realidade, as precauções para as quais se devem voltar todas as atenções dizem respeito, não somente ao valor nutricional dos alimentos, mas sobretudo, à qualidade da água disponível para beber, cozinhar e higienizar; aos cuidados higiênico-sanitários das instalações, dos utensílios e dos equipamentos, além da capacitação dos manipuladores de alimentos responsáveis pelo preparo e distribuição das merendas.
Todavia, deve-se ter em mente que outros fatores, eventualmente, podem comprometer a inocuidade dos alimentos, como por exemplo, as condições ambientais e estruturais do local onde os alimentos são preparados ou servidos, que podem favorecer a contaminação cruzada dos alimentos; a falta de produtos adequados para realizar a higiene e desinfecção de locais, equipamentos e utensílios; ou ainda, a utilização de produtos de procedência não idônea, comprados de ambulantes ou sem registro no Ministério da Saúde. Estudos realizados em escolas constataram, também, o fato das merendeiras exercerem outras atividades no estabelecimento, como varrer o chão e limpar sanitários, utilizando o mesmo uniforme no preparo de alimentos, podendo constituir fonte de transmissão de microrganismos para os alimentos (Silva 2003) Lembra-se, ainda, que muitas escolas não dispõem de recintos adequados para utilizar como refeitório e, para servir a merenda, improvisam espaços em áreas abertas, onde, por exemplo, é comum encontrar-se animas domésticos, como gatos e cães, e mesmo animais sinantrópicos, como pombos e até roedores, todos eles, potencias transmissores, para o homem, de inúmeros agentes de doenças, eliminados geralmente pelas fezes, que se acumulam, de modo geral, em lugares inacessíveis à limpeza e sanitização.
Este é o cenário que cerca o preparo da merenda na maior parte das escolas do território brasileiro. Para cumprir a obrigatoriedade de servir a merenda, os espaços criados são fruto do improviso, pois nas plantas originais, dependendo da escola, não foram previstas cozinhas, e mesmo que os mantimentos/insumos sejam, convenientemente, estocados são inúmeras as falhas que podem ser detectadas nas unidades, tais como: aeração, iluminação, proteção contra pragas e mesmo disponibilidade de prateleiras para arrumação e separação dos produtos. Por outro lado, conforme referido anteriormente, o pessoal encarregado da preparação e distribuição das refeições para os escolares não é submetido a qualquer tipo de capacitação.
Todas estas e outras possíveis não conformidades devem, portanto, ser alvo de ações por parte da vigilância sanitária, sobretudo de cunho educativo.

Referências

Germano MIS. Segurança alimentar: a arma pode estar nas suas mãos. Higiene das mãos: um trabalho de construção e desconstrução. Rev. Higiene Alimentar, 2007; 21:16-7.
Germano MIS. Treinamento de Manipuladores de Alimentos: fator de segurança alimentar e promoção da saúde. São Paulo: Varela, 2003.
Germano PML, Germano MIS. Higiene e Vigilância Sanitária de Alimentos. 2 ª ed. São Paulo: Varela, 2003.
INPPAZ/OPS/OMS. Sistema de Información Regional para la Vigilância de las Enfermedades Transmitida por Alimentos. [on line] Disponível em www.panalimentos.org/sirveta (obtido em 12/09/2007)
Oliveira A C B de, , Germano PML, Germano MIS. Avaliação dos alimentos cárneos servidos no programa de alimentação escolar de um Município da Grande São Paulo: ênfase nos aspectos de tempo e temperatura. Rev. Higiene Alimentar, 2004; 18:24-29.
Richards MS e cols. Investigation of a Staphylococcal Food Poisoning Outbreak in a Centralized School Lunch Program. Public Health Rep. 1993; 108: 765-771.
Silva C da, Germano MIS, Germano, PMLG. Conhecimento dos manipuladores da merenda escolar e escolas da rede estadual de ensino em São Paulo – SP. Rev. Higiene Alimentar, 2003; 17: 46-51.WHO. Food safety issues. Guidelines for strengthening a national food safety programme. Geneva: 1996.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

FEBRE AFTOSA

FEBRE AFTOSA: PESADELO DOS PRODUTORES RURAIS COMPROMETE O SUCESSO DO AGRONEGÓCIO E PREOCUPA OS CONSUMIDORES DE PRODUTOS CÁRNEOS E LEITE.

A febre aftosa é uma doença causada por um vírus que ataca, com gravidade, bovinos, ovinos, caprinos, suínos e, raramente, o homem. A doença assume grande impacto quando atinge a espécie bovina, devido aos prejuízos econômicos decorrentes das ações drásticas exigidas para a erradicação dos focos. Todos os animais dos rebanhos atingidos pelo vírus, mesmo que ainda não estejam doentes, devem ser abatidos; as propriedades devem ser isoladas e postas em quarentena; e, o Estado vê-se obrigado a pagar indenizações aos produtores prejudicados.
Embora a vacinação anual do gado seja eficaz e o país tenha um estoque de vacinas suficiente para atender à demanda dos criadores de mais de 180 milhões de cabeças, possíveis falhas nas barreiras sanitárias podem permitir a passagem de animais portadores do vírus, de regiões em que, ainda, existam casos da infecção para outras, onde a doença estava controlada. Porém, nas mesmas circunstâncias, o livre trânsito de pessoas e de veículos contaminados, entre essas regiões, pode facilitar a disseminação do vírus. É o que acontece com a proximidade das propriedades da região Centro Oeste do Brasil e os países fronteiriços.
Nos bovinos, a febre aftosa provoca lesões graves na mucosa lingual e intensa salivação, além de frieiras nas áreas mucosas dos cascos. Diante deste quadro, os animais não conseguem se locomover para procurar alimento e água, e, quando o fazem, não podem apreender o capim nem beber a água devido à extensão das lesões bucais. A doença se transmite, entre os animais, através das secreções e excreções dos doentes, com destaque para a saliva, leite, urina, fezes e até o sêmen.
No homem, a doença tem sido registrada em situações particulares, sem gravidade, e nunca se comprovou a transmissão inter-humana. O grupo de trabalhadores rurais em contato permanente e íntimo com os animais doentes, sobretudo ao cuidar das lesões da língua e dos cascos, pode contrair a infecção. Outro grupo que pode ser acometido é o dos técnicos e pesquisadores dos laboratórios de diagnóstico, por trabalhar diretamente com material contaminado pelo vírus. Nestas pessoas, as lesões surgem, em geral, nas mãos, sob a forma de aftas ou pequenas vesículas que, se bem higienizadas, deverão desaparecer em duas semanas.
Os países importadores de carne bovina recusam-se a receber estes produtos, devido ao risco de contaminação das carcaças provocar a disseminação do vírus, durante as diversa etapas de manuseio. Isto se deve ao fato de o vírus ser muito resistente às condições ambientais e poder sobreviver, por muito tempo, fora do organismo animal.
No Brasil, não há relatos de casos de febre aftosa transmitidos pelo consumo de carne ou de leite, até porque os animais doentes ou suspeitos, quando abatidos, não são destinados para a indústria alimentícia, nem para o comércio varejista.