Mortalidade Infantil
Pedro Manuel Leal Germano
Universidade de São Paulo
Porque morrem as crianças é a pergunta que habitualmente se faz ao ler ou ouvir notícias dedicadas às tragédias globais.
As estatísticas sobre mortalidade infantil, porém, apontam para o próprio ambiente doméstico, onde se esperava que houvesse tutela responsável, no mínimo, por parte das mães, quando estas estão presentes e acompanham o desenvolvimento dos filhos. Não pense o leitor que desconsiderei o papel do pai, pelo contrário, ele é tão responsável quanto a mãe pode ser, desde que agindo como participe no processo de criação da criança.
A pobreza é um fator que dificulta o cumprimento dos tópicos que serão apontados a diante, mas não os inviabiliza desde que haja bom senso e vontade de reconhecer suas próprias limitações.
A ignorância,
porém, é o fator mais contundente e, também, o mais difícil de superar. Mãe ou
pai sem instrução não são capazes de entender, nem o mundo em que vivem, muito
menos o da criança com quem compartilham o mesmo espaço. É certo e sabido que
quanto menor o nível de instrução, notadamente, por ignorância associada a
teimosia irracional, maiores os riscos provenientes de acidentes ou mesmo maus
tratos às crianças, tais como, manobras bruscas, totalmente inconvenientes, que
podem provocar lesões físicas e até matar. A colocação de gargantilhas ou
enfeites no pescoço da criança pode provocar sua asfixia por acidente durante o
sono.
Mencionam-se,
a seguir, uns poucos exemplos, dentre tantos outros disponíveis na literatura
médica, todos possivelmente, fatais na dependência do tipo e intensidade da
exposição: (1) desnutrição por carência de alimentos ricos em proteínas,
sobretudo leite ou por insuficiente qualidade daquele oferecido pela mãe no
período de lactação, entre outros; (2) gastroenterites provocadas por alimentos
contaminados ou deteriorados, causando diarreia, cólicas, vômitos e por fim
podendo levar à morte por desidratação; (3) desrespeito total às datas de
vacinação, tais como, tuberculose (BCG), poliomielite (VOP), tetravalente.
(tétano, difteria, coqueluche, meningite), SRC (sarampo, rubéola, caxumba),
Hepatite B e febre amarela, esta nas regiões endêmicas, todas elas
preocupantes, com gravidade dependente da idade e do grau de higidez da
criança; (4) não obediência às doses, horários e duração de tratamento prescritos
pelos serviços médicos, qualquer que seja sua indicação, pois, quando
fornecidos em doses maiores que o recomendado, podem resultar em intoxicação ou
mesmo envenenamento da criança, por outro lado, se administrados em doses
inferiores às receitadas o mal poderá evoluir levando ao óbito por maus tratos; (5) temperaturas extremas, tanto
quentes, quanto frias, podem ser prejudiciais à saúde das crianças, em especial
às de poucos meses de vida, como acontece com a água do banho muito quente, muitas
vezes superior a 37oC, qualquer que seja a temperatura ambiente, uma
vez que pode provocar queimaduras, cuja gravidade dependerá da área
comprometida e sua extensão, e ao contrário, quando muito fria, sobretudo em
dias de muito calor, pode favorecer a instalação de quadros pneumônicos, sendo
que em ambas oportunidades o desenlace pode ser fatal; (6) exposição exagerada
a correntes de ar, sobretudo por janelas mal fechadas em madrugadas frias, agravando
quadros respiratórios, ou ao sol, provocando queimaduras ou até insolação,
principalmente quando não há qualquer tipo de proteção física como uma sombra
ou um chapéu, ou proteção química fornecida por loções protetoras; (7)
manutenção da criança em ambiente úmido
e mofado, mesmo dispondo de outros lugares mais salubres na moradia, alegando
preservação da intimidade do casal, o que pode agravar certas doença
respiratórias, entre elas asma e gripe, responsável por muitos casos de
pneumonia, e até de óbitos infantis; (8) punições repetidas, algumas delas até
perversas, notadamente, com restrição física, podendo causar, por exemplo, ao
longo do tempo, problemas ósseos por privação de sol, fator determinante de
raquitismo, ou distrofias mio articulares, não só por limitação exagerada de
movimentos, motivada pela frequente permanência em lugares de pequenas
dimensões, mas, também, decorrente de agressões com os mais diferentes tipos de
materiais, seja reservados para tal ou encontrados ao acaso, tais como, tiras
de corda, borracha, couro ou pedaços de madeira, entre tantos outros; e, (9)
castigos de restrição mental, os mais prejudiciais para as crianças, uma vez
que alteram o sentido do todo, modificando comportamentos, tornando-as
agressivas ou excessivamente submissas.
Após a
ocorrência do episódio maior, a doença se instala e, então, panaceias caseiras,
rezas e benzeduras são tentadas, claro que sem nenhum sucesso, e aí sim,
instala-se o desespero e a única alternativa é procurar o posto de saúde mais
próximo, porém, de modo geral, já é muito tarde e nada mais há a fazer.
Deve-se
considerar, contudo, que cada família, por mais inculta que seja, tem seus
próprios valores ou crenças, mas, ninguém da família consegue ou quer compreender
porque as práticas domésticas, há tantos anos empregadas, pelas avós, bisavós,
tias e curandeiras não deram certo.
Uma vez o fato confirmado chegou o momento de dar uma explicação sobre o acontecido. Mas, esta nunca será dada! Nada melhor que o silêncio demonstrando pesar. Afinal, ninguém quer expor seus erros à opinião pública!
A bem da
verdade, estes fatos não ocorrem apenas nas pequenas cidades das zonas rurais;
não, isto ocorre em qualquer lugar do mundo, de certo, com maior frequência nas
comunidades desfavorecidas.
Os exemplos apresentados apoiam-se, sobretudo, na ignorância, consequência de um ato irrefletido, gerado, simplesmente, por falta de atenção ou puro esquecimento, ou na dita ignorância crônica ou estupidez, falta de saber.
Sem sombra de dúvida, a ignorância é a mãe de todos os males que afetam o mundo, sejam de ordem sanitária, econômica, racial, religiosa e até mesmo bélica e ela afeta dramaticamente a população infantil.