segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE DA ÁGUA EM SAÚDE PÚBLICA

Pedro Manuel Leal Germano
Maria Izabel Simões Germano

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo nos países da OECD (Organization for Economic Cooperation and Development), surtos provocados por doenças veiculadas pela água são mais freqüentes do que se divulga, devido ao desconhecimento de suas causas e à elevada subnotificação. O problema assume dimensões muito maiores nos países considerados economicamente menos favorecidos, onde milhares de pessoas, independente da faixa etária e sexo, são acometidas.
A demanda de água no planeta vem crescendo, constantemente, e tem como causa o aumento da população e a concentração de pessoas nas cidades. Por estas razões, a água não é mais considerada um recurso infinito, e, é sério o risco das reservas se esgotarem, devido, sobretudo, ao mau uso das fontes naturais.
Para agravar, ainda mais, este quadro, estatísticas da OMS estimam a população mundial, para o próximo decênio, como superior a 7 bilhões de habitantes, apesar de todas as intempéries naturais e conflitos armados, responsáveis por milhares de mortes.
A satisfação da demanda de água representa um problema, pois além do enorme volume consumido e desperdiçado, nem sempre a restituição do produto ao meio natural, sem tratamento prévio, está isenta de riscos à saúde e ao próprio ambiente. É o que acontece com a contaminação e a poluição provocadas pelos efluentes domésticos, públicos e industriais, lançados diretamente nos cursos de água. O mesmo se aplica para os resíduos químicos, provenientes de adubos, defensivos agrícolas e inseticidas, comumente utilizados nas práticas agropecuárias, e que mediante as precipitações pluviométricas alcançam, por escoamento, os lençóis freáticos, os rios e os lagos naturais ou artificiais, colocando em risco a sobrevivência de qualquer forma de vida nesses ecótopos.
Na verdade, a água pode constituir um risco considerável para a sociedade, não apenas no que tange ao aspecto higiênico-sanitário, mas como recurso natural estratégico para assegurar a geração de bens econômicos - como geradora de energia é um bem essencial para a indústria e, extremamente, importante para a conservação de alimentos (refrigeradores, câmaras frias e outros), todavia as barragens e hidrelétricas podem afetar diretamente o meio ambiente.
Desta forma, a água, constitui uma questão de segurança nacional, tanto no que se refere aos recursos hídricos como aos ecossistemas que os mantêm, e como tal merece a adoção de estratégias direcionadas para cada um de seus aspectos particulares, todos eles de relevância para o desenvolvimento social e econômico dos povos, especialmente, no que concerne à saúde pública.

>>>Doenças de veiculação hídrica

Os agentes biológicos continuam sendo os fatores mais importantes de contaminação da água, assim como, dos alimentos. Bactérias, protozoários, vírus e helmintos originam-se, sobretudo, na contaminação fecal humana ou animal, das águas destinadas ao consumo ou às atividades recreacionais.
A contaminação da água, no aspecto macroambiental, pode ocorrer na fonte, durante a distribuição ou nos reservatórios. No âmbito dos conjuntos populacionais, estabelecimentos comerciais e industriais, particularmente, da área de alimentos, as causas mais freqüentes de contaminação dizem respeito às caixas de água abertas ou mal fechadas e à carência de hábitos de higiene pessoal e ambiental.
As doenças de veiculação hídrica transmitem-se através da ingestão de água contaminada por microrganismos patogênicos, eliminados nas fezes do homem e/ou dos animais, notadamente onde as condições de saneamento básico são precárias. O mesmo se aplica à qualidade da água destinada à higienização de produtos vegetais in natura, instalações, recipientes, utensílios e manipuladores, suas roupas e mãos.
Estas doenças compreendem uma variada gama de patologias gastrointestinais como: disenteria, giardíase, hepatite A, rotavirose, norovirose, além das infecções epidêmicas clássicas como cólera e febre tifóide. O resultado de sua elevada endemicidade constitui ônus elevado para os países em desenvolvimento, onde seus efeitos são contundentes para a saúde pública, atingindo até 50% da população.

>>>O impacto sobre a população infantil

A qualidade da água e sua precária condição higiênico-sanitária estão entre as principais causas de mortalidade infantil - entre as cinco mais freqüentes causas de óbito na faixa de um a quatro anos de idade. Estas crianças registram, em média, 3 episódios diarréicos por ano, mas em certas zonas o quadro patológico pode se repetir 9 vezes ao ano. A morbidade e a mortalidade são mais altas entre as menores de dois anos, até 90% dos que morrem por diarréia pertencem a este grupo. A causa mortis principal, sobretudo nas crianças, é a desidratação, devido à perda brutal de líquidos e de eletrólitos, provocada pelo quadro diarréico, primariamente, e pelas complicações intercorrentes como má nutrição e pneumonias.
Vale enfatizar que, em saúde pública, a endemicidade das doenças de veiculação hídrica é extremamente prejudicial para o desenvolvimento da população infantil. Sucessivas crises de diarréia, nas primeiras idades, são altamente nocivas, pois conduzem à desnutrição, por diminuição do apetite e pela diminuição da capacidade de absorção intestinal. A manutenção do “permanente” estado de doente, ao longo do tempo, determina o atraso do crescimento e dificulta o desenvolvimento mental.

>>>As conseqüências em saúde pública

A maioria das infecções intestinais é assintomática, o que se torna patente quando se considera a idade dos acometidos. A partir dos dois anos de vida, e à medida que aumenta a idade, a resposta imune aos agentes agressores vai-se tornando mais evidente e como conseqüência diminui, substancialmente, a manifestação clínica da infecção. Todavia, o estado de portador assintomático, que pode persistir por até semanas, é muito importante na epidemiologia das gastroenterites infecciosas, uma vez que a eliminação dos agentes patogênicos no ambiente propicia a contaminação da água e dos alimentos. Por outro lado, os indivíduos nestas condições, desconhecendo o perigo que representam para a sociedade, não adotam qualquer precaução higiênica para evitar a contaminação ambiental.
As doenças passíveis de serem provocadas pela ingestão de água contaminada são muitas e variadas, bem como, suas manifestações e repercussões em saúde pública. Cabe lembrar que, além das crianças com idade inferior a dois anos, são suscetíveis e correm risco de vida: idosos, convalescentes e, particularmente, imunocomprometidos.

>>>Conclusão

A crise da falta de água constitui uma urgência no mundo atual. Os homens necessitam se conscientizar da premência de utilizar, adequadamente, este recurso com vistas à preservação das gerações futuras. Cada um deve cumprir a sua parte na conservação dos recursos hídricos, como dizia Mahatma Gandhi “... nós temos que ser o mundo que nós queremos ter...”. É vital que os setores públicos e privados, assim como, todos os cidadãos estejam conscientes de suas responsabilidades e colaborem para a manutenção deste bem, sem o qual a vida em nosso planeta não é possível.

>>>Referências
Geldreich EE. La amenaza mundial de los agentes patógenos transmitidos por el agua. In: Gunther FC, Castro R. La calidad del agua potable en América Latina: ponderacion de los riesgos microbiológicos contra los riesgos de los subproductos de la desinfección química. Washington, D.C.: OPS/ILSI Press; 1996. p. 21-49.

Germano PML, Germano MIS. Higiene e vigilância sanitária de alimentos. Barueri: Manole, 2008.

Germano PML, Germano MIS. Alimentos e suas relações com a educação ambiental. In: Philippi Jr A, Pelicioni, MCF. Educação ambiental e sustentabilidade. Barueri: Manole, 2005. p. 771-812.

Macêdo JAB. Águas e águas. São Paulo: Varela, 2001.

Traverso HP. Agua y salud en América Latina y el Caribe: enfermedades infecciosas transmitidas por el agua. In: Crawn GF, Castro R. La calidad del agua potable en América Latina: ponderacion de los riesgos microbiológicos contra los riesgos de los subproductos de la desinfección química. Washington, D.C.: OPS/ILSI Press; 1996. p.51-62.


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Maria Izabel Simões Germano – Pedagoga pela PUC/SP, Mestre e Doutora em Saúde Pública pela FSP/USP. Professora Convidada dos Cursos de Pós-Graduação e de Especialização da FSP/USP. Atuação profissional nas áreas de Educação, Formação Profissional e Treinamento.

Pedro Manuel Leal Germano – Médico Veterinário pela FMVZ/USP, Sanitarista, Mestre, Doutor e Professor Titular pela FSP/USP. Coordenador do Curso sobre Vigilância Sanitária de Alimentos. Atuação profissional na área de pós-graduação e extensão da FSP/USP.

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